Da periferia para o mundo: o impulso necessário para a inovação
Paulo Rogério Nunes acredita que sempre é possível ir além. Nascido no bairro de Alto da Terezinha, no subúrbio de Salvador, ele rompeu todos os paradigmas e se formou em Publicidade pela Universidade Católica de Salvador (UCSal). Recebeu um fellowship profissional da Fullbright para estudar Jornalismo e Novas Mídias na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, em 2011.
Na bagagem, trouxe o fascínio pelas iniciativas das startups do Vale do Silício. E, mais uma vez, ele foi além. Com os olhos no futuro, em 2016, foi um dos fundadores do Vale do Dendê, uma holding social que fomenta ecossistemas de inovação e criatividade com foco na diversidade. O nome surgiu de um insight durante uma conversa com o músico Gilberto Gil. Se há o Vale do Silício, por que não criar o Vale do Dendê, com uma dose apimentada de identidade baiana?
Os números confirmam que Paulo está no caminho certo. Os negócios de impacto social movimentam cerca de US$ 60 bilhões em nível global, com aumento em torno de 7% ao ano, segundo levantamento da Ande Brasil (Aspen Network of Development Entrepreneurs), uma rede de empreendedores de países em desenvolvimento.
Em 2017, foi escolhido para um encontro com o ex-presidente Barack Obama e, no mesmo ano, convidado para abrir a primeira conferência internacional da Obama Foundation, em Chicago. Em uma conversa com os funcionários na Visa, ele conta a sua experiência com startups nascidas na periferia de Salvador. E como ir além de uma boa ideia.
Qual a importância da diversidade para a criação de uma solução inovadora?
A diversidade é o combustível da inovação. Aliás, não há como ter uma inovação real se não houver diversidade no seu sentido amplo, incluindo variedade de pensamentos e backgrounds, como também de gênero e racial. Ela é vital para a estratégia do mundo dos negócios. A empresa precisa ter um olhar de 360 graus para abarcar a pluralidade de seus clientes e aproveitar todas as oportunidades. Para isso, os líderes precisam sair de suas bolhas e abdicar dos padrões tradicionais para conhecer o mercado de atuação das suas empresas bem como os perfis de seu público-alvo. Os investidores ainda focam nas mesmas ideias e nos mesmos projetos. É preciso sair dessa espiral para diversificar os investimentos e olhar para novos mercados que ainda não foram ativados.
Como o Brasil está inserido no campo das inovações?
Além da nossa sociedade ser bastante diversa, somos um país reconhecidamente criativo. A criatividade aqui é commodity. É preciso reconhecer nosso potencial e aprimorar nossas ideias para desenvolver soluções que podem ser compartilhadas em vários lugares do mundo, sobretudo nas periferias. Uma solução criada para a periferia requer um baixo investimento, mas tem um alto poder de impacto, já que o mercado consumidor é bem maior. Uma solução criada no subúrbio de Salvador, São Paulo ou Rio de Janeiro tem capacidade de escala muito grande, levando em conta a população das periferias do mundo todo. Podemos inovar a partir das margens, cocriando soluções inovadoras para problemas existentes. É o conceito de empresa global, que cria soluções com identidade local, mas com alcance global. Mesmo com tantos percalços, o Brasil é uma das maiores economias do mundo e acredito que por meio de projetos inovadores será possível disputar as primeiras posições do ranking com Estados Unidos e China.
Como o Vale do Dendê pode ajudar a impulsionar um projeto?
Nossa abordagem compreende três grandes linhas estratégicas. A Aceleradora utiliza o mesmo conceito empregado para as startups do Vale do Silício, cujo objetivo é ganhar escala em pouco tempo. Nosso foco prioritário são negócios oriundos da periferia e liderados por afrodescendentes e mulheres, pois estes perfis estão fora do radar dos investidores tradicionais. Já a Escola oferece cursos, treinamentos, workshops e formações a interessados em empreendedorismo. O intuito é aproximar conceitos complexos adotados nos centros mundiais de inovação de um público com menor poder aquisitivo. E o terceiro ponto é a Consultoria em que desenvolvemos metodologias para adicionar valor à cadeia produtiva além de estudos estratégicos para identificar o mercado consumidor e o potencial de crescimento da startup.
Quais projetos foram alavancados pelo Vale do Dendê?
Todas as startups desenvolvem produtos e soluções tecnológicas de baixo custo e elevado impacto socioeconômico, que podem ser replicadas em qualquer lugar do mundo. Temos vários exemplos de projetos que impulsionamos e que expandiram suas operações. Um deles criou uma linha de produtos específicos para a pele negra com inspiração nas plantas sagradas da cultura afro-brasileira. Outra empresa busca empoderar mulheres negras periféricas na mobilidade de bicicleta por meio de cursos de pedalada, manutenção e mecânica e acaba de desenvolver o primeiro capacete de ciclismo para pessoas com cabelos crespos, dreads e tranças. Também pré-aceleramos uma empresa de turismo que vende roteiros turísticos voltados ao público afro. Vou lançar um livro neste ano para contar as histórias e os desafios destas e de outras startups que passaram pelo Vale do Dendê e que podem inspirar outros empreendimentos. A tese do livro é que quanto mais diversidade, mais inovação.
Como é a seleção para participar da Aceleradora?
Percebemos uma grande procura desde o lançamento do primeiro edital para nosso programa de aceleração. A primeira seleção, em 2018, contemplou 30 startups que atuam nas áreas de economia criativa e tecnologia nos segmentos de moda, design de joias, turismo, games, mobiliário urbano, tecnologia automotiva, entre outros. Destas, dez passaram para o processo final, em que participaram de mentorias sobre comunicação empresarial, finanças e estratégias de negócios. Neste ano, selecionamos 30 startups com foco na área de gastronomia e culinária e contamos com a parceria de uma grande rede atacadista. No momento, dez estão na fase de mentorias. Vamos lançar um novo edital no fim deste ano para projetos voltados para economia criativa.
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